quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Boscos

Meu irmão mais velho que eu, o Bosco era um grande palhaço. Palhaço daqueles que não tem intervalo que nos dias de hoje, poderia ser classificado com um pen drive de piadas.
Perdi meu irmão em 26 de maio de 1980 para uma doença que hoje, já pode ser controlada e até mesmo convivida com ela – a diabetes.
Em Rondônia, nos anos de 1980, tudo era difícil ao ponto de a insulina ter que vir de São Paulo, pois aqui não tinha nas farmácias e poucos conheciam a danada da doença.
Para termos uma idéia, o Bosco foi detido pela Polícia Federal da época, com seu estojo de insulina, seringas e agulhas até que um médico, Doutor Custódio, fosse explicar que aquilo era remédio e o liberar das garras “dos omi”.
De lá pra cá conheci alguns Boscos. Alguns mais ou menos, no meu modo de avaliar.
Por intermédio de um grande amigo que também se foi – Dean, que trabalhávamos juntos mais o Mário Luiz, na então Secretaria de Administração e Finanças do Território Federal de Rondônia, nos anos 1977 e seguintes eu e o Mário fomos serrar o almoço na casa do Dean e conheci um menino, seu irmão, um rapazinho buchudo, feio, dentuço e... animado chamado Bosco.
Pouca amizade fizemos na infância. Apenas as brincadeiras na Praça Aluízio Ferreira e algumas travessuras típicas de nossa idade. Crescemos cada um pro seu lado, até que já com alguns cabelos brancos voltei a frequentar a turma do Caiari e reencontrei o Bosquinho.
Batemos alguns papos e como gosto de pagode, como também sou um ótimo tocador – assim dizia o Bosquinho, fui me encostando, ajudando o grupo “Sem Moderassom”, que pra muitos também é conhecido como os “Cansadinhos do Som” e sempre por perto, juntamente como meu amigo Mourão, que carinhosamente chamo de “bebeu”; o Dimaci, que tenho intimidade para chamá-lo de “melancia” e o Anselmo, meu ex-aluno que chamamos de “pen drive”, pois com o violão na mão não para nem pra beber água.
Nos encontramos muitas vezes, nas rodadas de pagode, nas confraternizações de fim de ano, no Boteco do Calça, no Origance – quando ela ainda tomava todas e sempre fomos da “pá virada”.
Soube esses dias que meu amigo de infância e companheiro de muitas festas estava doente. Mas... Doença? Pensei eu, pode ser tratada.
Ledo engano. Acabei de saber que meu amigo foi para os braços do Pai, foi ao encontro do Grande Arquiteto.
São Paulo, quando escreveu aos Coríntios assim disse: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine”. Não é o caso de nosso amigo Bosquinho. Era um cara que tinha amor em tudo que falava e agia. Era ponderado, era sábio para ouvir e para falar.
Não me lembro do Bosquinho tentando fazer, como eu faço levar a coisa no grito. Ele usava argumentos com aquela sua voz suave.
São Paulo falou ainda que “E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria”.
Bosquinho não tinha o dom da profecia, não conhecia todos os mistérios nem toda a ciência, porém tinha muita fé e muito amor.
Era o amigo que me cumprimentava com um abraço e um beijo – na buxexa, claro!
É esse amigo Bosquinho que quero levar sempre no meu coração e sei que seus amigos também estão pensando assim.
O Bosco guerreiro, amigo, fraterno, inteligente, compreensivo, pai, marido, avô e camarada.
É o cara brincalhão e tocador de surdo, com sua voz rouca e sem graça que quero sempre lembrar. É minha geração!
Questionamos Deus toda vez que um amigo ou um parente se vai. Vi agora a pouco no “zapzap” alguém falando que tanta gente ruim fica e os bons se vão.
Tenho uma tese até certo porto esdrúxula, porém a meu ver correta. Quem está indo para os braços do Altíssimo é que já cumpriu seu tempo aqui e aqueles que ainda estão na terra falta algo a cumprir.
Quero terminar meus escritos em homenagem ao amigo Bosquinho com parte do Salmo 23, conhecido por muitos e também atribuído a São Paulo.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo (...).
Hoje perco meu segundo irmão Bosco.
Vá em paz irmão Bosco que Deus te receba como se recebe um amigo, para uma rodada de pagode.